Sin coito, sin aborto — e o real problema da eterna censura da mulher

Eu Sou RAD
10 min readDec 30, 2020

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Frequentemente “feministas radicais” sempre estão online desmistificando o uso errôneo do termo. Quando qualquer pessoa não muito entendida lê aquele famigerado adjetivo “radical”, associa instintiva e diretamente à noção de extremismo, a algo intransigente. E no contexto em que vivemos, esse erro ou ignorância semântica nos traz consequências de todo tipo, desde ataques dos masculinistas, passando pela comunidade trans, chegando até os setores mais ortodoxos do “cristianismo”. Um pouco óbvio: em todos eles existem homens e esperar que qualquer “-ismo” (seja “marxismo”, “stalinismo”, “leninismo” e até mesmo o “anarquismo”), vejam e lutem por mulheres é um tanto ingênuo.

Às mulheres sempre nos acusam de termos relações sexuais por prazer, por gosto. Os adjetivos sobram para sinalizar a mulher promíscua. Afinal, o coito, até então, tanto pela visão cristã como a visão capitalista, é só para gerar descendentes. Melhor se são descendentes homens, porque serão eles os encarregados de continuar o legado das famílias. Quando nascem meninas, dependendo de onde elas tenham nascido, o fim pode ser rápido e trágico, ou podem continuar vivendo para ser domesticada e doutrinada para servir ao homem.

Nisso, passaram-se anos, séculos e nós mulheres não temos nossos direitos garantidos em nenhum âmbito. É mais: os pouquíssimos que temos (ou tínhamos) agora estão sendo vilmente usurpados por homens auto identificados como mulheres. E esses sujeitos não têm limites, porque desde que se considerem “lésbicos”, até a invasão de espaços separados por sexo, eles estão apagando a nossa pouca e ínfima existência. Já não se chama de menina ou mulher: o correto é dizer “pessoa menstruante”, porque pode ser que a menina ou mulher “se identifique com homem”, e por lógica, se se identifica, então é; assim como “homens” continuam dando a luz e privando bebês recém nascidos do alimento primordial dos primeiros meses e anos de vida: o leite materno. Mas desde quando a infância é preocupação da sociedade? Ela só é quando é ainda um embrião, um feto. Depois disso alguém deve cuidar dessa criatura, e é melhor que seja a “mãe”. Nada mais justo e correto que seja quem fez, não é? Licença maternidade sendo atribuída a sujeitos do sexo masculino, bem como a noção da maternidade, onde esses sujeitos podem ser considerados como “mães biológicas”.

Eu poderia ficar horas e horas escrevendo sobre todo tipo de violência que estamos sofrendo na cara dura sem sequer nos preocuparmos e que tudo isso seja algo sim “transgressor”, mas é retrocesso puro, para absolutamente TODAS as mulheres. Mas diante disso tudo, quando todos esses ataques que mencionei antes são um trabalho constante e persistente de homens, agora devemos lidar com o avanço de mais pautas identitárias: as lesbofeministas não querem que mulheres abortem. A insígnia é clara: sem coito, sem aborto.

Antes de detalhar o porquê disso, vou voltar um pouco atrás e estabelecer os devidos comparativos para entendermos como as políticas masculinistas estão totalmente internalizadas em nós.

Existe uma comunidade de homens (óbvio) que se chama “incels”. Você já deve ter ouvido falar deles em vários momentos. Sua missão de vida é “derrotar todos os Chads (homens sexualmente ativos e atraentes) e Stacys (mulheres sexualmente ativas).” São um grupo misógino, sem organização alguma que passam horas, dias, meses e anos atrás de uma tela de computador, provavelmente vendo pornografia e culpabilizando mulheres por sentirem-se atraídas pelos “galãs ocos”, enquanto eles, sujeitos de bem, inteligentes e talvez bem sucedidos, são deixados para trás, às moscas. A tática é a mesma: culpabilizar mulheres por sua vida sexual.

Diante desse panorama, é fácil culpabilizar mulheres: a educação sexual no Brasil AINDA é um tabu. Não é permitido às mulheres que conheçamos nosso próprio corpo. Não sabemos o que é clítoris (se lembra do rebu da “bartolinite”?), como evitar uma gravidez indesejada (até porque o SUS não atinge a maioria das cidades e quando atinge, não tem métodos anticoncepcionais disponíveis às mulheres que desejem evitar, ou pior, recusem a prática por valores cristãos), há uma profunda e grande ignorância que paira quando o tema é menstruação, higiene básica e hábitos saudáveis para meninas, adolescentes e adultas. Escolas da rede pública e privada, do ensino fundamental e médio também não conseguem fazem muito com o pouco que têm para tentar levar essas informações aos jovens. E o problema é SEMPRE mais embaixo: professores que recebem desde R$952,51 não têm como garantir além do pedido. Exigir desses profissionais é desumano e cruel. As próprias instalações escolares estão totalmente sucateadas ou sem estrutura alguma para receber o estudante. Nem vou entrar no tocante a merenda dessas crianças.

Como desgraça pouca é bobagem, veio a pandemia. Se nesses lugares a educação já era precária e o SUS também, a prostituição de menores cresceu em ritmo assustador. Meninas são as que mais sofrem nessa cadeia infame. São empurradas para esse mundo para ajudar na renda familiar, porque não há fonte de renda e a fome dói não só na alma, dói nas tripas. Onde falta perspectiva de vida, de ampliar horizontes, o mundo é um palmo além do nariz, o futuro é exato e já pré-determinado. Políticas públicas, assim como legisladores e governantes, não chegam.

Com tantos problemas que realmente são chagas na nossa história como sociedade, como dizer para a mulher que é simples que ela se recuse ao coito e assim evitar uma gravidez não desejada? Quem são essas mulheres que advogam por essa suposta teoria anti-feminista, sem sequer recorrer ao básico de toda e qualquer análise social? Ou é mais fácil fazer recortes que são convenientes a elas para assim poder, finalmente, normalizar esses discursos entre as mais jovens incautas e sem tanta bagagem teórica?

(tradução livre: “Com falar de aborto sem nominar a causa de ter interiorizado o modelo sexual masculino do coito. Sem coito não existe aborto e em uma sociedade centralizada na diferença sexual feminina seria um fenômeno quase extinto. A sexualidade das mulheres é outra coisa”.)

Os discursos são claros: mulheres heterossexuais (ou “feministas heterossexuais”) “priorizam” homens em suas lutas. Para você ser realmente digna de levar a marca “feminista radical” e entrar para esse suposto clube, você DEVE ter entendido que a finalidade dessa teoria é sim poder fazer de você, mulher héterossexual ou bissexual (esta última, catalogada por elas como “depravadas de Tinder” e vetores de dst) uma lésbica. Porque “todas las mujeres pueden ser lesbianas”. Seja você real, política ou se você não conseguir estar com uma mulher e sua lesbofobia estiver tão internalizada a ponto de te gerar asco e você ser uma viciada em rola, você pode e deveria considerar o celibato.

Seu “vício” pode ser curado.

Com toda sua visão determinista e reducionista, elas expressam de maneira clara e sem rodeios, o profundo ódio que essas mulheres, as que conseguiram alcançar o estágio final do “feminismo radical” (lembrem-se: radical means barbárie, extremismo, morte aos homens, femterra, ilha de lost, digo… lesbos, Vênus e que sejamos todas amazonas indomáveis e livres do contágio de homens, se você tem filhos homens, considere abandoná-los ou entregá-los ao seu erro/progenitor porque essa mácula você não deve carregar consigo) têm pelas demais, que, incrivelmente, são a maioria do tal feminismo radical. Elas são as iluminadas, assim como os saiyajins ou como os monjes, ou santos/as canonizados/as, etc. A heterossexualidade, assim como a bissexualidade passam a ser meras escolhas, eletivas: a mulher hétero ESCOLHE ser agredida pelo seu marido, namorado, ficante, padrasto, estuprador. A bissexual… bom, ela é depravada mesmo e a lésbica radical que ESCOLHE se relacionar com um saco de lixo está obviamente chupando rola por tabela. Eca!

É bem fácil ter acesso a camisinha. É você quem não quer mesmo.

Quando você ESCOLHE ser lésbica política, ou no pior dos casos celibatária, você também está no mesmo caminho daquelas criaturas que condenam mulheres que são mães. Oras, já existem tantas crianças nesse mundo e você, hétero ou bi, não pode controlar seu vício e egoísmo ao trazer mais uma criança para este mundo sórdido? Negue a ciência, negue seu corpo. Faça igual aos transativistas que escolheram apagar a palavra mulher do dicionário. Deixe de ser uma cadela promíscua e pare de ter relações sexuais com quem será o assassino de outra. Digo mais: sem coito, sem aborto também previne que você, fatalmente, venha a gerar um… homem. Que será o assassino e estuprador de outra mulher no futuro.

Não sei o que sentir, nem pensar.

Sabendo de tantas contradições e semelhanças com seus tão “opostos”, fica fácil imaginar o fim disso: a contínua caça de mulheres. De fato, muitas coisas DEVEMOS questionar. Existem um sem fim de temas pertinentes ao que homens reduziram o “ser mulher”. E todos os temas discutíveis estão entrelaçados entre si, é impossível dissociá-los, e tudo leva à mesma gênese: capitalismo.

Mulheres que são viciadas em rola e sucumbiram ao erro de terem filhos, poucas vezes podem continuar usufruindo de seus “privilégios”: estudar, ter um trabalho, grupo de amigos fica restrito, quando não te abandonam ou você é demitida, ou quando você não tem “saída” senão ficar em casa e ser mais uma encostada que recebe o bolsa família do governo. Não há políticas públicas para a construção de creches, empresas não têm espaços kids, fraldários são minúsculos nos estabelecimentos, a licença maternidade é pequena e obriga a mulher a romper os laços com seus filhos em idade precoce (porque ou ela dá atenção ao trabalho, ou à rua, quando não é demitida quando o RH/dono/patrão descobre a gravidez), as escolas são e estão sucateadas, quando não distante das casas das famílias, muitas sequer dão merenda a esses menores e sabe-se lá quantas crianças acordam e dormem com fome. Mas o certo mesmo é atacar a mulher, porque óbvio, se ela não fosse viciada em pinto, crianças não estariam nas ruas, marginalizadas e homens terminariam sendo extintos.

Há um determinado tempo atrás, Gail Dines, feminista heterossexual e pesquisadora sobre os danos causados pela pornografia na sociedade, disse algo muito interessante (e que ninguém ousou a retrucar sua fala, acusando-a de ser adoradora de piroca):

“Eu vou dizer algo para os homens desta sala, que talvez eles não saibam: feministas são suas melhores amigas. Nós somos o único grupo que realmente acredita na sua humanidade. As feministas somos o único grupo que acredita que vocês não nasceram cafetões ou espancadores. Na verdade, nós acreditamos que vocês nasceram com a total capacidade humana que as mulheres também nasceram. E nós acreditamos, ao contrário dos pornógrafos, que vocês não são sistemas para suportarem pênis eretos”.

Feministas não acreditamos em determinismos impostos. Por mais que nossa configuração biológica esteja e seja para procriarmos (úteros, ovários, menstruação, seios munidos com glândulas mamárias e a capacidade de produção de leite), nosso lado “consciente” nos faz querer saber a raiz dessa motivação da geração de uma vida. Devemos ser mesmo mães? Devemos pura e unicamente nos relacionarmos com homens ou há saída para a cura desse vício maligno que é o pênis? Porque se a heterossexualidade tem cura, também tem cura a homossexualidade. (Se assustou?)

Eu não tenho todas as respostas do mundo, nem quero tê-las. Minha única motivação dentro do feminismo radical é ainda minha prima, que era uma jovem lésbica formada em medicina, que achou estar errada em sua sexualidade e ESCOLHEU ser “homem trans”. Hoje ela vende packs a outras garotas, um simulacro de pênis masculino. Seria ela também outra viciada em rola, porque essa fixação em pênis, pelo que disseram, era algo específico de heterossexuais e bissexuais.

Lutar por mulheres, sendo mulher, jamais será “tokenismo”.

Minha motivação é ela: que ela saiba que todas as atrocidades cometidas contra ela mesma (desde a terapia hormonal, passando pelas mastectomias) foram totalmente desnecessárias. Que há espaço para ela nesta sociedade e que deveríamos nos reconciliar com nossos corpos e sexualidade. Que deveríamos nos permitir viver, antes de julgar a próxima na fila do pão.

Como feminista radical E anarquista acredito que deveríamos olhar além das aparências e entender que tudo o que está naquela mulher que “não me desce” é fruto de socialização. Somos e fomos ensinadas a sermos racistas, preconceituosas, misóginas, homofóbicas, agressoras e violentadoras. O dividir e conquistar serve para isso, para retirar de nós nossa capacidade humana para nos tornar meros capachos e submissas a políticas que nos destroem como CLASSE.

Restringir e limitar o debate, apelando para o modo e lógica masculinista da agressão, da censura e das ofensas, só torna fraca a nossa ínfima tentativa de levante como grupo social. Enquanto um grupinho ressentido promove ataques baixo a bandeira “feminista radical” em atitudes totalmente anti-feministas, a discussão, a análise de todas nossas opressões está fadada ao fracasso, assim como os natimortos.

Não há grupo mais acometido por doenças mentais que as mulheres. A vida na sociedade capitalista e patriarcal mesma nos leva a uma série de consequências desastrosas. A pandemia só fez o favor de piorar ainda mais o que já estava ruim. E acredito que a cura seja o diálogo e sobre educação: falar é terapêutico e precisamos aprender a ouvir, a ter a tal da empatia pelas nossas. Cada quem tem seu tempo de conhecimento, de consciência, de cura. Nenhuma de nós chegamos ao feminismo radical sabendo de absolutamente todas as críticas das mais variadas autoras, foi questão de tempo, amadurecimento e de se reencontrar em outras mulheres, para debate, discussão e acolhimento.

Ou aprendemos a nos respeitar e a lutar por políticas que beneficiem mulheres como CLASSE, ou é melhor cedermos ao poder masculinista como determinista para nossa existência e aceitarmos que viemos de uma simples costela de um homem.

Todas nascemos conhecedoras das teorias feministas e de como os homens nos colonizaram para que sejamos inimigas umas das outras. Todas.

Para 2021, ao contrário das detentoras do feminismo radical brasileiro, eu quero que mulheres possam ser realmente livres, que não sejamos mortas, estupradas. Que possamos levar o projeto de aborto legal e seguro para frente, que políticas de saúde sexual e reprodutiva, bem como implementação de escolas e melhores condições para professores existam. Feminismo Radical não se ocupa somente sobre o “ abandono da feminilidade e da heterossexualidade”.

Feminismo Radical se preocupa POR MULHERES, porque é uma produção conjunta DE MULHERES.

Mulher = fêmea humana.

Saúde e Anarquia!

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